sexta-feira, 12 de março de 2010

Necessidade de ajudar (ou ser ajudado) - Mário Quilici


Em geral, vivemos impelidos por uma espécie de culpa crônica que nos leva a querer mudar tudo e todos, com a desculpa de que vamos ajudá-los. Em geral, quando ajudamos alguém, agimos com a convicção de que somos melhores e temos mais conhecimento ou dinheiro (poder) que o outro. Por isso, julgamos saber o que é melhor para ele e, com isso, nos esforçamos para mudar sua forma de pensar e sua forma de ser. 

Muitas vezes, aprendemos em casa esse padrão de ajuda compulsiva. As mamães que são inseguras (tornam-se em geral autoritárias) e medrosas, e estão sempre tentando resolver as coisas para seus filhinhos em vez de os deixarem descobrir o mundo por seus próprios meios. Elas temem que seus bebês não suportem (assim como elas não suportam), as decepções da vida (É a isso que chamamos de projetar na criança o seu próprio estado de espírito). 

Essas mães poupam seus filhos da realidade com mentiras, acobertamentos, agindo por eles e escondendo a vida real dos pequenos olhinhos ávidos por ações e descobertas. Muitas dessas mães sequer estimulam seus bebês para evitar que se decepcionem. O que essas mães não sabem é que suas crianças estão equipadas para resolverem uma infinidade de problemas característicos de cada idade. Mas se forem impedidas e ajudadas a todo o tempo, elas serão no futuro, aquelas pessoas que vão ajudar os outros compulsivamente. O pior disso é que, se não o fizerem vão se sentir culpadas. Se forem impedidas, ficarão magoadas. Elas, como suas mães fizeram, terão que carregar o mundo nas costas. 

Pense comigo. Se você tem um bebê e sabe que ele vai ter que enfrentar esse mundão ai fora, quando crescer, o que é melhor fazer? É um mundo cheio de aventuras, desventuras, armadilhas e, quando não, de misérias. Qual é a melhor coisa para ele? Já pensou nisso? Qual seria sua resposta? Se você acha que deve poupá-lo para que ele tenha uma “infância feliz, enquanto isso for possível”, está redondamente errada. 

O que é mais importante de ser aprendido deve ser aprendido no inicio da vida. Talvez a melhor coisa para o bebê, seria aprender a descobrir a extensão de seus próprios recursos desde o inicio. Como ele faria isso? Vivendo, agindo, errando, acertando, se frustrando, acertando de novo, errando de novo e etc., mas, sempre contando com sua tolerância, amor e compreensão. Através desse acúmulo de acertos e erros, o bebê vai construindo a noção de seus próprios limites e poderá ampliá-los sempre que for necessário (buscar tarefas mais complexas). Se ele não tem uma experiência anterior construída, como poderá ter recursos para resolver problemas que surgem depois, quando está mais velho? Se a mãe faz tudo para o bebê, como é que ele vai saber qual é seu limite? 

Observe como eles estão sempre se esforçando. Bebês são incríveis, eles têm a vida intrépida correndo nas veias do espírito. A mãe pode, na melhor das hipóteses, tornar digerível uma situação desagradável, um fracasso numa ação aceitável, e um erro uma coisa normal. Muitos pais, sem perceberem, fazem de tudo para tornarem-se imprescindíveis na vida de seus filhos. Esse é um problema pessoal que deveria ser tratado. Mas eles querem ser os grandes heróis na vida de suas crianças. Desta forma, impedem que a criança amadureça e torne-se independente. 

A criança só pode amadurecer e individuar-se se adquiriu a noção de suas próprias habilidades e conseqüentemente de sua potência que, em última instância, significa: “posso cuidar parcialmente de mim”. Se ele tiver essa noção de potência, não sentirá muito medo e poderá curtir as coisas boas da vida infantil. Os pais que fazem as coisas dessa forma querem dar significados para suas vidas que são percebidas como destituídas de sentido. Então, se os pais foram assim com seus filhos, eles não terão outra saída a não ser, agir da mesma forma com os outros. Aprendemos que essa é a forma de existir: fazendo o outro prescindir de nós durante todo o tempo.

A FRUSTRAÇÃO 

Mas os problemas não param ai. Você sempre terá a ilusão de que, estando disponível para as pessoas, elas “estarão lá”, quando você precisar. Foi esse o preço que seus pais cobraram por serem tão solícitos. Você tinha que estar sempre lá, disponível para pagar os favores que já tinha recebido. Não é que eles eram sacanas, maldosos e calculistas. Eram humanos. Esse é um padrão cultural. Geralmente, essa é uma das queixas que mais ouço: “Fiz isso e aquilo pelo sujeito e agora, quando eu precisei, ele não estava nem ai!”. E ai? Na verdade temos que enfrentar uma dura constatação: foi você que se colocou à disposição do outro porque precisava ser usado por ele. Ele, só usou o que lhe foi oferecido. Vai me dizer que você não sabe dizer não? Não houve um pedido de ajuda ou um contrato explicito dizendo que ele devia retribuir. Houve? Essa idéia, foi criada na sua cabeça. Essa é a sua forma de ver as coisas. Por essa razão, não fique com raiva, se os outros não “reconhecem” os esforços que você faz. Aliás, você não faz esforços por eles, faz esforços para ganhar amor e admiração. 

A INGRATIDÃO 

Por outro lado, tenho observado que, com poucas exceções, os esforços para ajudar os outros, sempre resultam numa certa raiva de quem recebeu a ajuda. Talvez você já tenha se perguntado porque as pessoas são tão ingratas? Na verdade há um problema ai, que merece alguma reflexão. Todos nós, ainda que procuremos manter ocultos nossos problemas e defeitos, sabemos deles. Vivemos uma vida inteira conosco e assim, pudemos nos observar melhor do que ninguém. Ninguém conhece você tão bem, quanto você mesmo. Até mesmo aquilo que dizem que é inconsciente, nós conhecemos por "intuição". O problema é sabido mesmo que ainda não tenha sido pensado. Dessa forma, você nunca sabe quais os dramas pessoais que um indivíduo tem. De que história se constituiu a sua vida e como ele foi ferido por essa mesma história. Quando você faz um favor para uma pessoa - um favor que ele não pediu - poderá estar comprando uma encrenca e não um amigo. É por isso que as pessoas não podem ficar gratas a você. As pessoas às vezes, querem correr riscos, aprenderem por si mesmas, errarem para poder acertar, ampliar seu foco de percepção do mundo. Se você os ajuda sem que eles peçam, está causando-lhes mais embaraços do que benefícios. Pode estar despertando sua raiva. Mas e se ele errar? Sorte dele! Ele sempre poderá refazer o caminho e aprender. Mas, nessas horas, em que o indivíduo erra, se ele ficar mal podemos acolhê-lo sem fazer qualquer crítica. Seu erro já é um marco mais que suficiente de sofrimento e ele saberá reconhecê-lo sem nossa ajuda. Acolher é um ato sem palavras que significa que não há problemas com o erro. É uma atitude humana. 

A DIFICULDADE DE PEDIR

Nós só deveríamos ajudar alguém que pede nossa ajuda. Quando pedimos, valorizamos o que vamos receber. Conquanto devêssemos atender que quem pede, deveria ficar grato, nos deparamos com outro problema: Na nossa cultura, pedir é uma humilhação indescritível. É verdade que nem todos são assim, apenas a maioria. O que já é alguma coisa. Existem pessoas que passam necessidades, mas não ousam pedir. Sabemos que a questão, não é o pedir, mas sim o que o ato de pedir significa. Normalmente o pedir lembra a pessoa de sua tormentosa insuficiência. Quanto mais o indivíduo se envergonhar de sua insuficiência, mais dificuldade ele terá para pedir. As pessoas envergonham-se dessa insuficiência. É como se houvesse a obrigação de ser “Super”. De onde você acha que nasceu o mito do Super Homem? Do desejo narcisista de valer-se por si só e não precisar de ninguém (complexo de Deus?). As pessoas sentem vergonha de sua falta de habilidades. Então, em vez de pedirem diretamente, costumam comunicar suas necessidades por mímicas, por provocações, por indiretas certeiras e por chantagens. Fazem com que você resolva a coisa para eles sem pedir. Se você é um “ajudador compulsivo”, vai entrar nessa facilmente. Logo, o intrometido será você. Pedir é reconhecer a potência do outro. Mas quando se reconhece a potência do outro lastimando a própria impotência (que é o mais habitual), então há inveja e dor. O desejo de pedir fica obscurecido. As pessoas ficam na solidão desvalorizada. A sensação é de que serão sempre humilhadas pelos progressos e habilidades do outro. Solidão dura essa de não poder constituir uma rede de pessoas a quem reconhecer, admirar e com quem contar. A solidão traz uma outra desvantagem: não reconhecemos o outro e ficamos sem reconhecimento. Inexistentes. Esse é o retrato das sociedades contemporâneas. Uma das racionalizações que geralmente se usa para “encobrir” esse comportamento de negação da importância do outro é a alegação de que não se gosta de “ficar devendo favores”. Será que alguém realmente são, consegue viver sem ficar devendo alguma coisa ao outro? Que idéia mais maluca essa! Tal idéia é de uma pretensão sem precedentes. A mim parece que, ai, se reafirmam todas as sensações de inferioridade que dominam o sujeito. Na maior parte das vezes, as pessoas não podem precisar do outro porque temem a rejeição. Quem teme ser rejeitado é porque sente que não tem valor algum que possa apaixonar o outro. Também não lida com a realidade. Dessa forma, não sabe dar nem pode receber. O dar e o receber, não importado as direções, nos ensinam que é possível dividir o que se tem e enriquecer o mundo generosamente. É uma valorização do outro e a nossa própria valorização.Tal gesto devia garantir a sensação de gratidão e amparo e não a vergonha.

A AJUDA POSSÍVEL

Provavelmente quando estamos agindo compulsivamente no sentido de ajudar os outros, estamos evitando pensar em nossas próprias dificuldades e limitações e ainda “por cima”, criando problemas para nós. Quando ajudamos alguém que não reconhece nossos esforços, ficamos com nossa auto-estima mais rebaixada, repetindo aquilo que fizeram conosco durante a infância. Nosso coração fica magoado e o ressentimento é um péssimo negócio para a saúde. Eu sei que não é fácil ver as pessoas que amamos fazendo burradas, quebrando a cara ou criando confusões para si mesmas. Dói no coração da gente. Todos nós, de alguma forma, tivemos uma experiência assim com familiares, amigos e companheiros. Isso fica ainda mais difícil quando nós conhecemos um caminho mais certeiro, para que coisas ruins não aconteçam àquelas pessoas de quem gostamos. Se as amamos, queremos protegê-las. Mas na verdade, proteger, às vezes, significa deixá-las errarem para que amadureçam. Durante toda a nossa vida assistiremos coisas assim. Na maioria das vezes, nada poderemos fazer. Temos então, que aprender a lidar com as nossas ansiedades e limitações. 

Há quatro aspectos a serem pensados sempre que encontrarmos alguém em apuros: 

1) Temos que confiar que cada pessoa sabe fazer sua escolha e é responsável pelos resultados do que escolhe; 

2) Ela não faz uma escolha diferente da nossa porque quer nos contrariar, mas sim, porque ela tem o direito de pensar em algum caminho criado pelo seu próprio raciocínio. Pode dar certo; 

3) Experiência geralmente não se transfere. Cada um cria sua própria experiência; 

4) Pessoas saudáveis, saberão pedir depois de esgotarem suas possibilidades, ou seja, sempre que for realmente necessário. 

Creio que a primeira coisa que temos que fazer é compreender justamente isso: que cada um tem que ter sua própria experiência e tirar dela, suas próprias conclusões. Nossos sermões, exigências e ordens, em nada mudam a vida do outro. Ao contrário, podem aborrecê-los. Mesmo que o indivíduo falhe, terá feito algum aprendizado importante. Nós podemos, na verdade, colocarmo-nos à disposição para quando vem a depressão do fracasso, oferecendo nossa companhia, nossa amizade e nossa compreensão. 

Acreditar que o outro é capaz de suportar seus próprios fracassos, é uma forma de dizer-lhe que sabemos de sua força e de sua habilidade de lidar com a vida. É a nossa forma de dizer que confiamos nele. Não elogie, não ponha “pano quente” e nem “doure a pílula”. As pessoas sabem quando fazem coisas que não estão de acordo. 

Na maior parte das vezes, as pessoas têm medo de arriscar e errar porque foram tratados com desprezo e sarcasmo nos momentos em que tentaram. Foram recebidos com criticas e desprezo nos momentos em que erraram. Esse é um problema de uma cultura que tem como único objetivo o sucesso. Geralmente, as pessoas têm a ilusão de que são os únicos a errar e que seus erros são os mais terríveis. Essas são características de quem tem a auto-estima rebaixada. Pense que todos nós erramos na mesma proporção. Todos temos limitações em algumas áreas. 

A diferença é que as pessoas que têm a auto-estima melhor, aprendem a tirar proveito de seus erros e vão em frente. As demais, envergonham-se e ficam sentadas em cima dos erros, para que ninguém os veja, enquanto lamentam. Tais pessoas pensam um pequeno fracasso como um fracasso enorme. Assim, para essas pessoas, novas tentativas são mais raras. A ilusão do Super Homem é como dissemos, apenas uma ilusão narcísica, e não uma realidade possível.

Mario Quilici, psicanalista, pesquisador independente e ativo do desenvolvimento infantil e de como os distúrbios do vínculo entre os Bebês e seus pais podem levar ao surgimento de psicopatologias na medida que impedem um adequado desenvolvimento emocional e conseqüentemente da personalidade. Desenvolve trabalho clínico com adultos, casais e famílias bem como com orientação de pais. Dedica-se também ao estudo de neuropsicologia e psiconeuroimunologia

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