Outro dia minha mãe estava me explicando o que é terceirização. Ela disse que a empresa escolhe contratar outra empresa, em vez de ter seus empregados. Ela explicou que tem empresa que terceiriza o transporte, os atendentes, os faxineiros. Eu entendi. E pensei que em casa também tem trabalho terceirizado. Tem faxineira que vem limpar a casa e tem um moço que vem cortar a grama do jardim. E eu fiquei pensando, pensando. E descobri uma coisa que acho que pouca gente descobriu. Eu descobri que a minha mãe é terceirizada. É sim. Você quer ver? Quem me traz da escola? O motorista da perua. Quem me dá comida quando eu chego? A empregada. Quem cuida de mim quando eu estou doente? A minha avó. Está vendo? Não estou certa? Mas, de verdade, eu não queria que a minha mãe fosse terceirizada. E vou tentar explicar por quê. A gente fica dentro da barriga da mãe nove meses. Neste tempo é só a gente e a mãe. Depois nasce, mas não se separa de vez, porque a gente mama, fica no colo. Só depois de um ano é que começa a andar. Deus, pensando no nenê, fez com que ele fosse se separando devagar, devagarzinho. Mas não foi o que aconteceu comigo. Quando eu era bem pequenininha, minha mãe trabalhava fora. Tinha dia que ela saía e eu ainda não tinha acordado, e tinha dia que ela chegava e eu já estava dormindo. Então ela teve de me colocar no berçário. Eu passava mais tempo com a moça lá da escola do que com ela. Depois de um tempo eu chorava quando saía do colo da moça, e minha mãe ficava chateada com isso. Coitada! Eu queria minha mãe e ela me queria, mas ela não podia ficar. E aí ela se sentia culpada e até trazia presentes para mim. Aí eu pensei. Ah! se a gente fosse bem rico e não precisasse trabalhar... Mas fiquei sabendo que gente rica também sofre do mesmo mal. A mãe não precisa trabalhar para ganhar dinheiro, mas vive cheia de compromisso, e quem cuida do filho é a babá e o motorista. Aí eu pensei: bom era o tempo da minha avó que nunca trabalhou fora. Devia ser uma delícia ter mãe o dia inteiro. Mas minha mãe disse que a vovó não ficava o tempo todo com ela porque tinha de cuidar da casa, cozinhar, passar roupa, e o pior, que nunca brincou com ela. Então também antigamente não era sempre bom. Minha mãe leu no jornal que uma diretora de empresa, uma mulher muito importante, teve filhos gêmeos, mas não parou nem para dar de mamar. Logo depois de ter os nenéns ela já estava de volta na empresa. E mais: disse que ficava com os filhos meia hora todo dia pela manhã. Ainda bem que a minha mãe fica comigo as horas que ela está em casa. Eu gosto mesmo quando ela está em casa, mas não no telefone. Como ela fala no telefone! Gosto quando ela me pergunta como foi a minha aula, o que eu descobri, o que eu aprendi ou o que eu inventei naquele dia. Gosto quando ela lê histórias e me ensina coisas. E eu aprendo rápido. Já sei falar todo o Pai-nosso que ela me ensinou um pedacinho cada noite. Nossa! Pensando bem, a minha mãe passa poucas horas comigo, mas não é uma mãe terceirizada. Eu sou muito importante para ela e, mesmo quando ela chega cansada, tem vontade de saber de mim. Ela me dá orientação. Ela me dá atenção e quer saber do meu dia e dos meus sonhos. Que bom! Tem pai e mãe reclamando que os filhos adolescentes não ligam pra eles. Eu acho que isso acontece porque, quando eram pequenos, os pais não ficaram com eles o tempo que as crianças precisavam. Talvez ele tenham sido pais terceirizados. Não. Não pense que eu quero que todas as mulheres do mundo sejam só mães. Durante muito tempo foi assim e o mundo não era melhor. Eu gosto que minha mãe trabalhe. E quero que continue. Ela precisa ter a vida dela. Ela gosta do que faz. Fica feliz quando consegue fazer boas coisas no trabalho. E aí eu fico feliz por ela estar feliz. Mas eu estou escrevendo tudo isso para lembrar a algumas mulheres que ser mãe não é só ter um filho, é cuidar dele. Mãe não precisa ficar junto o dia todo, mas precisa perguntar e ouvir as descobertas que o filho faz, precisa estar junto quando a gente está bem alegre com as coisas que inventa, e também precisa estar bem perto quando a gente sente medo ou tristeza. Precisa contar histórias, precisa brincar com a gente. Não precisa dar presente, precisa estar presente quando está por perto e mesmo de longe pode, de vez em quando, telefonar. Quando a gente é pequeno precisa tanto de mãe!
Fonte: Ilídia de Castro
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