Tentando continuar a obra de Jesus, a Igreja procura saídas e novos caminhos. Tenta falar uma linguagem mais adaptada a realidade atual. Diante de tantos problemas, os discursos são múltiplos e a voz da Igreja não ressoa mais unívoca como antes. Diante de tantos discursos que coexistem no interior da Igreja que até podemos dizer que alguns se entrelaçam as vezes, algumas características da catequese não podem ficar esquecidas. São elas resumidamente:
Uma catequese narrativa
A evangelização da Igreja não apresenta uma doutrina, mas uma pessoa: um Deus vivo e presente que se relaciona com o povo. A catequese tem como finalidade "aprofundar o primeiro anúncio do Evangelho: levar o/a catequizando/a a conhecer, acolher, celebrar e vivenciar o mistério de Deus, manifestado em Jesus Cristo, que nos revela o Pai e que nos envia o Espírito Santo" DNC,43. Portanto a catequese deveria proporcionar aos catequizandos/as meios para acolher a Palavra da vida, de forma que cada ouvinte se sinta interpelado por Deus e se disponha ao seu chamado. É preciso pensar a catequese da Igreja não como um manual de doutrina a ser ensinado, ou um conjunto de verdades a ser repassado para o ouvinte. Um manual não converte nem muda a vida de ninguém. Só um encontro pessoal com o Deus vivo, que chama e interpela a cada um pessoalmente, tem força para transformar vidas. Mais que anunciar "verdades de fé, trata-se de verdade que é antes de tudo uma pessoa, Jesus Cristo". DNC,127. A catequese é o anúncio de uma pessoa, de um Deus que se relaciona, que entra na nossa história e a transforma. É sólida: ela não é fruto de modismos ou da criatividade do catequista, pois nossa fé não é inventada, mas sim herdada; é apostólica. Ao mesmo tempo, ela é solta; é uma criação teológica-pastoral a partir de seu tempo e suas reais necessidades, levando em conta os sujeitos. A catequese é atualização da Palavra de Deus. O DNC percebeu que a catequese é mais que transmissão de doutrina e intuiu a necessidade de uma catequese narrativa, mas ainda entendeu a narratividade da fé como um conteúdo a mais a ser repassado para os/as catequizandos/as. Não se deu conta que a narratividade não se confunde com algo a ser acrescido ao conteúdo já estabelecido; é característica própria da fé cristã. Um Deus que se fez homem, se fez história, em cuja vida Deus se disse à humanidade é pura narratividade. Anunciar o Deus de Jesus Cristo de forma autêntica não parece possível de outra forma a não ser pela narratividade. A narratividade da evangelização está há muito ameaçada pelos manuais - tanto por uma teologia bem elaborada no caso da catequese com adultos (a começar pelos Institutos de Teologia), quanto por uma teologia ingênua, no caso das crianças. Os manuais substituíram a narrativa. A catequese infantil, virou aula de catecismo - com livro e tudo! - e a evangelização dos adultos virou curso de teologia para leigos - com direito a formatura! Parece urgente resgatar a narratividade da catequese, deixando Deus falar aos corações e interpelar para os seguimentos de seu Filho Jesus Cristo.
Uma catequese querigmática
Jesus Cristo é o eixo central da evangelização, afirma o DNC A evangelização "conduz ao centro do Evangelho (querigma), à conversão, à opção por Jesus Cristo que nos revela o Pai, no Espírito Santo" DNC, 13d. Entende-se que para fazer parte do povo de Deus, é preciso mais que cumprir práticas cultuais ou obedecer as leis. Faz-se mister acolher o Cristo morto e ressuscitado, anunciado pelas testemunhas que viveram suas experiências com ele. Ao assumir sua tarefa, o catequista contemporâneo precisa se lembrar de que o único caminho possível da humanidade para Deus é aquele que vai de Deus para a humanidade: Jesus Cristo. Ajudar o povo a fazer essa experiência do Deus totalmente Outro, mas totalmente próximo e presente em nossa história por meio de Jesus Cristo, desponta como missão primeira da catequese hoje. A fé cristã não sobrevive mais nas atuais circunstâncias se não for assumida como uma convicção pessoal e livre. A fé herdada de nossos pais já não garante mais a nossa fé. Antes de ser transmissão, a fé reclama seu caráter de proposição que deve ser livremente assumida ou rejeitada.
Uma catequese mais litúrgica, mistagógica
O apossar-se da fé se dá no caminho da experiência pessoal com Deus, realizada na comunidade eclesial. O povo quer Deus, quer fazer seu mergulho em Deus. Essa experiência de Deus fundamental na vida cristã, não se dá sem menos. Há todo um processo que a favorece ou a dificulta. O/A catequista é convidado/a a ser alguém que favorece essa experiência, que acompanha o/a iniciante na fé, ajudando-o/a a fazer esse mergulho no mistério, e não somente alguém que ensina ou manté a fé já despertada. Alguém que ajuda sua gente a se render diante do mistério escondido do Pai, revelado em Jesus Cristo por seu Espírito. Para isso, nada melhor que a forca da liturgia. A liturgia católica - não só a Missa - nada mais é que a celebração do mistério da morte e ressurreição de Jesus, o Filho de Deus, por meio de quem o Pai se dá a conhecer, na ação do seu Espírito. DGAE 2008-2010, 68.
Uma catequese sistemática, organizada
O caráter narrativo da catequese, a centralidade no querigma e o tom celebrativo dos encontros - como momento orante - dão a ela leveza e consistência ao mesmo tempo. Leveza, porque ela não está baseada em uma doutrina ou um conjunto de leis, mas em uma pessoa concreta a quem o ouvinte adere incondidionalmente. Consistência, porque essa pesso a a quem se adere é o próprio Deus que ama e interpela o ouvinte. A catequese não se confunde com uma reflexão improvisada; ele provoca um mergulho em Deus, um encontro com Deus. Esse encontro exige uma teologia elaborada, com seqüência de temas concatenados e com rigor lógico, mas com pedagogia própria - é claro! A catequese não é aula. É iniciação no mistério de jesus Cristo morto e ressuscitado. É algo bem mais circular que linear, mais vivencial que intelectual, mais afetivo que racional. Mas isso não elimina o caráter organizado, intelectual, racional da experiência da fé, nem tira da catequese sua obrigação de dar respostas razoáveis, de procurar entender as razões da fé. Se a catequese não é aula, porque os encontros catequéticos ainda se encontro baseados na pedagogia escolar? Urge mudar essa realidade catequética, que ora apresenta no cenário da Igreja a catequese como aula de religião. É bem verdade que nossos catequistas já deram alguns passos importantes: a catequese nem sempre é mais nas escolas; nem sempre tem formato de sala de aula (ambiente quadrado, com quadro, giz, carteiras e mesa do professor); nem sempre usa livro da criança, caderno; nem sempre faz arguições e provas no final de seu percurso; nem sempre segue o ano letivo escolar. Entretanto, apesar de todo esforço catequético, mesmo nas turmas que já passaram por essas mudanças, sobrevive em nossa prática pastoral a pedagogia do ensino-aprendizagem, própria das escolas. Seja priorizando o ensino - conforme modelo de tábula rasa - ou dando maior ênfase à aprendizagem - conforme modelo do construtivismo -, nossa catequese ainda é totalmente escolar. Ela tem sido bem pouco um encontro com Deus e com os irmãos da fé. A pedagogia da iniciação - própria da fé - nem sequer é conhecida pelos catequistas. Eles têm sido no máximo formados para serem professores de religião, num curso de preparação para os sacramentos. Não são formados para serem mistagogos, que iniciam seus catequizandos na fé, ajudando-os a fazerem sua experiência de Deus. É bom lembrar que a catequese não deve perder seu caráter sistemático, organizado, e cair no improviso, no "canta, reza, partilha e visita o asilo". Mas, mesmo mantendo seu caráter sistemático - e ela deve fazê-lo - é urgente que ela se recorde de que suas bases não estão na pedagogia escolar; que ela tem metodologia própria. Ainda que tenha que dar conta da razão, desafio maior na Pós-Modernidade é dar conta do coração: é promover o encontro do/a catequizando/a com Deus, na vida eclesial.
Conclusão
Não falte aos catequistas a coragem necessária para seguir os impulsos do Espírito que guia a Igreja e assim possam seguir fazendo rupturas importantes com o esquema do passado, para dar espaço ao novo, sem no entanto, desprezar o tesouro precioso da fé, conservado com zelo pela Igreja durante milênios.
Fonte: Adaptado Flávio (Rev. Catequese Abr/Jun 2010 - Prof. Solange M. do Carmo)