O encanto do crescer, despertar, descobrir, às vezes é tirado da criança, que passa a ser um miniadulto. Uma coisa é a criança brincar com o sapato da mamãe e outra é usar o sapato de salto criado especialmente para ela, uma diferença sutil, que acelera processos
Um sutiã com bojo para as meninas a partir dos 6 anos de idade está à venda nas lojas, um sapato de salto alto também. Há até modelos que trazem a estampa de personagens infantis para chamar a atenção das crianças. Pode parecer brincadeira, mas é coisa séria. Especialistas alertam para o fato de que esses acessórios levam a criança a viver uma realidade que não é a dela, estimulando assim um processo de erotização precoce. Nesta lista ainda constam itens como esmaltes, maquiagem, roupas justas, sapatos de salto alto e outros, pensados e produzidos por um mercado especialmente de olho na fragilidade infantil para garantir seus lucros e que tem como parceira a publicidade e suas artimanhas para seduzir os pequenos. Do outro lado dessa história, estão os pais, que não sabem dizer não e compram tudo o que seus filhos veem na televisão. E, no meio disso, encontramos, as vítimas: as crianças.
A psicóloga Maria Helena Masquetti, do Instituto Alana, de São Paulo (SP), explica que, naturalmente, uma criança, de até 6 anos, em média, demonstra a sua própria sexualidade e erotismo movida pela curiosidade. Após esse período, ela canaliza seus interesses para outras áreas, como o aprendizado, a sociabilidade e a inventividade. O interesse pela sexualidade retorna no início da adolescência, quando ela já se encontra mais amadurecida, física e emocionalmente.
“É uma providência sábia da natureza. Nessa fase, ela tem mais condições de entender e administrar o chamamento à vida adulta e o impulso sexual” – salienta Maria Helena. Porém, quando a publicidade infantil se aproveita dessa fase e a convence a usar produtos não adequados para a infância, como sutiãs, batons e saltos, por exemplo, a criança é induzida a entrar no mundo adulto, antes do tempo, sem ter criado ainda a sua própria identidade. “Seus interesses passam a ser desviados para outras questões que ainda não são pertinentes ao mundo dela e o seu interesse sexual, que estava, vamos dizer, adormecido por um tempo, é estimulado” – explica Maria Helena.
É bem verdade que a criança imita os adultos para saber como ela será no futuro, mas satisfaz sua curiosidade através das fantasias. “Quando a menina usa o batom ou o sapato da mãe, é como se vivenciasse um momento futuro e essa fantasia acalma seus anseios” – explica Maria Helena. Trata-se de uma fantasia que vem de dentro para fora, de acordo com a sua formação e personalidade individual. O que é bem diferente, e confunde muitos pais, é levar o mundo adulto até essa criança, como faz a comunicação mercadológica. “Uma coisa é a criança brincar com o sapato da mamãe e outra coisa é usar o sapato de salto criado especialmente para ela. É uma diferença sutil, mas engana até o adulto que quer fazer o melhor para o seu filho” – salienta a psicóloga. “Não se pode chegar numa criança de fora para dentro e dizer a ela que deve gostar e usar isso ou aquilo, como induz a publicidade infantil. Isso significa impor à criança um desejo que ela ainda não sente e interferir na sua espontaneidade” – afirma Maria Helena. A erotização precoce é prejudicial à criança e pode conduzi-la a uma vida afetiva instável. “Ela poderá correr mais riscos na adolescência por não saber controlar seus impulsos” – completa.
Dizer não – Convencidas por uma publicidade implacável de que precisam obter tais produtos para serem queridas e aceitas socialmente, as crianças exercem uma grande influência sobre seus pais. “Constatamos o medo que as crianças têm de serem excluídas. Os comerciais na TV dizem a ela que várias crianças usam tal produto e, quando ela faz o pedido aos pais, vai carregada de emoção e sinceridade” – explica Maria Helena.
E, diante disso, os pais não sabem dizer não aos desejos – fabricados pela mídia publicitária –, dos seus filhos. “Ficam sem saber o que fazer” – comenta a psicóloga Elizabeth Brandão, professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica), de São Paulo. “Não só as crianças, mas também seus pais acabam sendo vítimas do consumismo” – comenta ela. Afinal, não são poucos os adultos que, incitados pelo consumismo desenfreado, acabam se endividando para terem o que desejam ou para satisfazerem seus filhos. Quando se trata de erotização infantil, não só a publicidade, mas também a programação da TV é responsável por tanta estimulação. Crianças que têm a permissão dos pais para ver novelas ou programas inadequados para sua idade, por exemplo, são expostas a constantes cenas de sexo. “Há uma inversão de valores: a criança é quem manda em casa e decide o que quer” – alerta Elizabeth. “Mas, cabe aos pais diminuir toda essa exposição. Eles precisam entender que, quando têm a certeza de que algo não é bom para seus filhos, saber dizer não é um ato de sabedoria” – ressalta. A maior presença dos pais e da família no cotidiano dos filhos evitaria muitos desses problemas. “É no contato com pai e mãe que ela terá, numa observação ou num diálogo, as informações sobre quem ela é e como está no mundo” – avalia Maria Helena, do Instituto Alana.
Fonte: Rosangela Barboza - Rev. Família Cristã
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